Narrativa – A Companhia Estável de Teatro e o Teatro de resistência na Zona Leste de São Paulo

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A Companhia Estável de Teatro e o Teatro de resistência na Zona Leste de São Paulo

Sobre

A Companhia Estável de Teatro tem como base de suas criações a relação com o espaço onde está inserida. Assim aconteceu na ocupação artística do Teatro Flávio Império, quando a Companhia foi criada, em 2001, e também em seu segundo espaço de ocupação: O Arsenal da Esperança, sede a partir 2005.Localizado no Brás, na região central, o espaço onde funciona o Arsenal da Esperança tem papel histórico para a cidade. O prédio foi inaugurado em 1886 como hospedaria dos Imigrantes e hoje é conjugado com o Museu da Imigração. Com arquitetura eclética, predominando o estilo neoclássico e construído num terreno de 32 mil m2, este espaço foi a primeira casa de muitas famílias que chegavam em São Paulo no início do século XX. Lugar de encontros e trocas, lugar de diversidade cultural, étnica e religiosa, lugar onde esperanças e sonhos se nutriam, após longas viagens. Hoje, a casa abriga cerca de 1200 homens que estão em situação de rua, fornecendo suporte no aspecto social e colaborando com a reinserção dessa população em estado de vulnerabilidade.O público atendido apresenta características diferentes, conforme a situação vivida pela cidade e pelo país, funcionando assim como um catalisador e analisador social dos momentos que vivemos. Exemplo disso é quando na Cidade de São Paulo ocorrem tentativas de desmanche da região conhecida como Cracolândia. Pelas medidas serem de caráter dispersivo, a população que vive no local se espalha e o Arsenal acaba recebendo muitas pessoas que estavam lá. O mesmo ocorre com imigrantes refugiados, vítimas de incêndios em locais de vulnerabilidade social, desempregados/as afetados por crises econômicas etc. O reflexo dessas situações sempre é percebido no Arsenal muito antes da exposição midiática.A falta de moradia, questão latente para muitas famílias, é apenas um dos desdobramentos dos fatos citados, por isso o Arsenal da Esperança pretende abrigar e acolher seus habitantes de forma mais ampla, procurando estabelecer pontes com o setor público, facilitando o acesso aos serviços de saúde, educação, cultura e assistência social. Com esse intuito, e desejando ser muito mais do que um teto e cama para dormir, esse espaço abriu suas portas para sediar uma companhia de teatro, permitindo assim uma aproximação estreita entre a arte e os habitantes da casa.O encontro entre a Companhia Estável e o Arsenal da Esperança se deu em 2005 e, até então, o grupo atuava conforme a dinâmica do espaço, procurando sempre dialogar com as realidades encontradas em cada momento e incorporando-as em sua poética. Dentre suas pesquisas, o grupo já realizou trabalhos que tinham como temática a precarização do trabalho vivida pelos acolhidos e também realizou trabalhos que aproveitassem da arquitetura do local que, com um grande pátio interno, é uma “quase rua”. Os processos do grupo são bastante práticos e dialéticos, pois no Arsenal da Esperança a relação com o público sempre foi permanente, o que potencializava e enriquecia as pesquisas realizadas. A estética da Companhia já passou por vários tipos de resultados e um dos fatores que mais definiram diferenças foi o tipo de espaço físico utilizado. Já foram criadas peças que tinham uma relação próxima entre público e plateia, como acontecem nas salas de espetáculos convencionais (teatro fechado) e outras peças para espaços abertos (rua, pátio). Dentro do Arsenal da Esperança, na relação com o público interno e externo, se percebe grande potência em ambos os tipos de resultados.Ao longo de anos de parceria com esse espaço e seus habitantes e por basear suas criações nas relações estabelecidas com o entorno, a Companhia pôde construir uma estética baseada na potência das trocas e experiências vivenciadas. Porém, não basta pensar no espaço de ocupação de forma isolada, ele está inserido em algo maior, e um grupo de teatro que pensa seu trabalho de forma a democratizar o acesso a ele, revê constantemente sua forma de ação e por esse motivo buscou realizar um trabalho que pudesse ser potente dentro e fora do Arsenal da Esperança, podendo se adaptar a diferentes espaços físicos e que não dependesse de meios externos para sua realização. No Arsenal da Esperança, a Companhia redefinia constantemente seu objeto de pesquisa para elementos que buscassem relação direta com o espaço e a situação social vivida pelos acolhidos. O espaço de comunicação se ampliava e as margens/fronteiras se desfaziam  permitindo um diálogo direto, imediato e vivo. Os acolhidos discutiam os temas abordados entre si e com o grupo, levantavam questões e passavam a enxergar o artista, antes idealizado pelas grandes mídias, como um trabalhador que, ao lado dele, buscava um espaço para seu ofício.A cidade de São Paulo, hoje, passa por uma situação onde o acesso ao fazer teatral mais democrático possível, que é a rua, está prejudicado pela burocratização e ação violenta do Estado. Os grupos de teatro e artistas que pretendem ir ao encontro do público, onde quer que ele esteja, sofrem restrições rigorosas para se apresentarem em vias e espaços públicos. Ao mesmo tempo, torna-se cada vez mais frequente o fechamento de espaços culturais geridos por grupos teatrais. Esse panorama faz necessário o ato de resistência para que outros espaços possam abrir suas portas e favorecer o fazer artístico. O Arsenal da Esperança, embora seja um albergue, cumpre essa função. Nele a Companhia Estável conseguia ter uma interação poderosa com seus acolhidos e ainda recebia o público externo.Diante do exposto neste momento o grupo se encontra novamente em busca de outros interlocutores/espaços já que por conta da pandemia tiveram que sair do Arsenal para abrir outras vagas para os transeuntes que vivem em busca de um teto fugindo do sereno e vento.